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sexta-feira, junho 29, 2007

Terminal Guadalupe - "A marcha dos invisíveis"


Debulho
Marcio Renato dos Santos

"A Marcha dos Invisíveis" é, até este momento, o álbum mais bem resolvido musicalmente da história da música paranaense. É o álbum mais bem resolvido musicalmente da história da música paranaense porque foi bem, mas muito bem gravado, mixado, finalizado. A gravação se deu no estúdio carioca do falecido Tom Capone, Toca do Bandido, onde foram burilados álbuns magistrais de Maria Rita, O Rappa e Barão Vermelho. "A Marcha dos Invisíveis", mais recente álbum da banda curitibana Terminal Guadalupe, tem som impecável. Nenhuma manifestação sonora da província registrada em álbum até este momento atingiu tamanha qualidade. Os timbres de guitarra, o som do contrabaixo, da bateria, da voz, dos vocais, de eventuais outros instrumentos, enfim, todo som neste álbum, musicalmente falando, toca a eternidade, o sublime. "A Marcha dos Invisíveis" parece até álbum de artista internacional, tanta e tamanha é a qualidade do som gravado. Musicalmente, "A Marcha dos Invisíveis" é um álbum perfeito.

"A Marcha dos Invisíveis" é um álbum de rock and roll. Tem guitarras distorcidas. Com sonoridade nítida. E riffs contagiantes. Os sons de guitarra sugerem, insinuam climas, fazem música enfim. "A Marcha dos Invisíveis" tem contrabaixo preciso. Bateria irretocável. E linhas melódicas conduzidas pelo vocal como poucas vezes isso se fez possível. "A Marcha dos Invisíveis" é um álbum com dez canções. Algumas ligeiras. Outras lentas. Todas bem construídas, espertas. É um rock que toca o presente, a eletricidade possível do 2007. Canções maduras, com vitalidade juvenil. Mas em nenhum momento soa adulteen. A marcha dos invisíveis credencia o Terminal Guadalupe como a banda, não apenas da província, mas, da contemporaneidade — independente de paralelo, meridiano, idioma e outros detalhes.

"A Marcha dos Invisíveis", além da musicalidade, se faz pelo discurso. O texto é a marca do Terminal Guadalupe. Raridade em meio ao que se pratica no Brasil musical presente. O álbum abre e fecha com duas canções combativas — e Dary Jr. acredita no que canta porque escreve aquilo que canta (e canta muito bem). "Terminal Guadalupe", a primeira faixa, é uma desconstrução da imagem que se fez de Curitiba. "Onde começa e acaba o mito que traz perfeição / O meu palpite é uma certeza / A tal cidade européia só existe na ficção // Casebres se espalham pelos bolsões / Gambiarras interligam os novos grotões / Enquanto os burocratas cumprem bem o seu papel / A paisagem que fascina é artificial / Um tio no pé da mídia convencional / Que vende essa província como um pedaço do céu". A derradeira faixa, "Praça de Alimentação", relativiza o estado das coisas contemporâneas. "A bandeira norte-americana em chamas / A mentira tropical na lixeira / A coleção de inverno do tucanato / E as roupas íntimas dos neopetistas // Não estou a par de tudo / Eu só quero ir a fundo e provocar / Nem sempre o que te cabe é consumir / E aceitar que decidam por ti". Leveza. Rapidez. Exatidão. Visibilidade. Multiplicidade. Incluindo doses de ironia. Eis alguns dos ingredientes que compõem a argamassa do texto apresentado pela banda. E — o tempo todo — rock, com pegada e melodia, a conduzir e a embalar o discurso.

"A Marcha dos Invisíveis", além do discurso crítico, se dá também por meio de discurso amoroso. Afinal, o homem combativo tem sim tanto a defender quando diz eu te amo. Então, música ligeira ou lenta pra dizer eu te amo. "Atalho Clichê" é canção que revela um fim de caso a partir de olhar não-óbvio. "Eu fui embora porque sempre me enganei / Minha própria testemunha quando errei por bem / e só por bem // Se falo agora é porque eu ainda tentei mudar a história / mas não vou te enganar também / não vou, meu bem". "De Turim a Acapulco" também remete a um novo horizonte para quando o era sólido se esfacela no ar: "Hoje você vai se cansar de mim /Eu sou o acidente em frente ao portão / O instante em que prendeu a sua respiração / E os dias que Nietzsche passou em Turim // Quero fugir para Acapulco e me afundar nas ilusões / Enrolado em trapos que foram cortinas brancas". "A Marcha dos Invisíveis" é isso, e bem mais. Agride. E agrada. É, acima de tudo, álbum que soa com força e tem o que dizer.

"A Marcha dos Invisíveis" traduz, ainda, o entrosamento de Dary Jr. (texto e voz), Allan (guitarra e vocal), Rubens K. (baixo), Fabiano (bateria) — agora acompanhados de Lucas (guitarra). "A Marcha dos Invisíveis" contamina o imaginário de quem tem acesso ao conteúdo. "A Marcha dos Invisíveis" é, por tudo que irradia, o ápice disso que se chama música popular feita no Paraná. Mas — óbvio, ululante até — o Paraná está no Brasil, no mundo, no cosmos, no caos. É, A marcha dos invisíveis é o álbum.

Marcio Renato dos Santos é jornalista, escritor e mestre em Literatura. O texto acima foi publicado na edição número 66 da revista Idéias, especializada em política, economia e cultura do Paraná.

http://myspace.com/terminalguadalupe



Fonte:
O Scream & Yell foi um dos primeiros veículos de cultura pop a ouvir "A Marcha dos Invisíveis", novo disco que o Terminal Guadalupe coloca nas lojas em meados de julho. Nada mais justo que os leitores que acompanham o site, e também o Terminal Guadalupe, possam ouvir a integra de um dos melhores discos de 2007, em alta qualidade, antes do lançamento oficial. O link abaixo apresenta as dez músicas que compõem "A Marcha dos Invisíveis". Basta clicar no link, clicar no "Free" no final da página, e colocar as letras/números que aparecem na caixa da página seguinte para fazer o download.
Você tem 24 horas para fazer isso.
Divirta-se. E ouça no último volume.

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